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Entrevista: Marcos Silveira

Entrevista: Marcos Silveira

Marcos Silveira, Papo de Galo, revista, entrevista, Datapedia

Marcos Silveira é paulistano. Gestor Público formado na FGV, membro do AGORA! e da RAPS e talento da Educação pela Fundação Lemann, Marcos é entusiasta do governo e da política, tendo atuado como chefe de gabinete da vereadora Janaína Lima (Novo-SP) na cidade de São Paulo. É, desde o fim de 2015, diretor executivo da Datapedia, empresa especializada em dados públicos que fundou com Patrícia Tavares, ela também administradora pública e atualmente professora do Insper. Ele é também colunista do portal UOL Política, onde escreve sobre dados na gestão pública.


Nós, e a Patrícia Tavares, temos um background em gestão pública. Os trabalhos que realizamos em paralelo acabaram se somando, pois tinham uma similaridade grande, que era de dar um norte, um direcionamento, um planejamento pra gestões municipais promoverem bons mandatos, qualidade de vida e boa alocação de recursos públicos. Nesses trabalhos, identificamos que no Brasil existem boas bases de dados sobre número de habitantes, nível socioeconômico, qualidade de vida, educação, saúde, assistência social e todas essas temáticas que servem como bandeiras de propostas e de campanhas. Percebemos que, com elas, é possível realizar diagnóstico bom da realidade de cada cidade, com alta qualidade. Uma vez com elas à disposição, pode-se avaliar o que está bom ou ruim, se o benefício atinge o máximo de pessoas, se são serviços universalizados e suas qualidade, dentre muitas outras coisas.

Mas essas bases de dados estavam num ‘limbo’, estavam escondidas, além de serem muito técnicas e esparsas. A oportunidade que foi criar uma janela única de dados que estejam unificados e traduzidos para democratizar o acesso à informação de qualidade e todas as prefeituras do país.

Para poder organizar essas informações, criamos projetos piloto para validar a os controles e diagnóstico. A Patrícia Tavares fez isso em Contagem/MG e eu fiz isso em Catanduva, interior de SP. Com esses trabalho a gente criou um norte prioritário de ações que deveriam ser desenvolvidas pelos prefeitos e com isso foi feito um trabalho de melhoria de indicadores mais prioritários nessas localidades.

No caso de Catanduva, o diagnóstico da cidade mostrou uma realidade de certa forma desconhecida pelo prefeito. As prioridades que no início do trabalho eram recapeamento ou criar um mercado público municipal pra promover o turismo, na percepção superficial, com a analise dos indicadores, virou um plano de ataque para melhorar a qualidade da educação da cidade, melhoria do capital humano na cidade como motor de desenvolvimento econômico.

Com isso, saiu-se de um Ideb de 5.9 para um Ideb de 6.9 entre 2011 e 2015. Essa transformação aconteceu com uma serie de políticas, mas principalmente porque foi feito um bom diagnóstico, entendendo os principais problemas da cidade. Adicionalmente, foi feito um plano de futuro, com indicadores claros.

A pauta, então, se tornou prioridade que foi acompanhada na gestão. Assim, escolas foram reformadas, aumentou-se a oferta de creches, entendimento de que havia áreas mais vulneráveis que careciam de mais atenção da administração… Foi uma transformação completa do plano de campanha, que tinha uma abordagem mais generalista, em métricas quantificáveis. Essa priorização e identificação favoreceu a ação do setor público, que é muito dispersa por ser também generalista. Quando ela se torna específica e com uma referência de indicadores, começo, meio e fim, as ações começam a ganhar mais articulação e integração. Com isso, educação passa a atuar junto com obras, com a saúde, com a assistência social, e se obtém até ganho de escala, que costuma não ocorrer nas prefeituras por serem pastas isoladas que promovem suas bandeiras generalistas.

Em linhas gerais, a ideia destes dois casos teve um primeiro passo: realizar um bom diagnóstico, que dá clareza e prioridade nos problemas municipais. E o nosso sonho foi democratizar isso para todas as prefeituras do país.


Como acesso mais aberto a dados faz com que o poder público enxergue melhor suas necessidades?

Vou referenciar isso com alguns exemplos de quem usa a plataforma. A secretaria de educação de Londrina/PR, por exemplo, não tinha uma referência muito clara do tamanho da população de analfabetos que havia na cidade. Consequentemente, não tinha uma noção de como dimensionar os serviços de educação de jovens e adultos. Estava tendo, inclusive, um embate na Câmara por causa disso. O número que se dizia era de 20 mil. Ao se debruçar sobre os dados, cruzando com informações do TSE, viu-se que o número efetivo era de 8 mil analfabetos, numa atualização mais recente. A partir disso, ela conseguiu dialogar com a cidade, expondo os números corretos, dimensionando os recursos de acordo. Com isso, as outras ações de vulnerabilidade, como a primeira infância, ela conseguiu dar mais prioridades a outros itens, como aumento de creches e reforma do ensino infantil.

Por causa principalmente da desigualdade no Brasil, o nível socioeconômico de um prefeito ou vereador costuma ser muito mais alto que o da média da população. Aí acontece um pouco o efeito em que você está encastelado numa realidade que não é a mesma da base da cidade. Essas pessoas acabam se tornando invisíveis, porque se percebe a cidade a partir da realidade em que você vive. Então você não consegue avaliar quais são os bairros e como é o dia-a-dia de pessoas que vivem sem saneamento; não se sabe do dia a dia de uma mãe de 14 anos que deu à luz a uma criança. Com os números, você consegue ter uma percepção melhor quão vulnerável é essa população.

Recentemente, com a pandemia, a sociedade brasileira percebeu que o valor do Bolsa Família era muito baixo. A gente precisou de um efeito cascata, de uma piora na sociedade, para falar “nossa, parece que a crise que esse valor não condiz de fato com o que as pessoas precisam”. Tem um efeito cultural e psicológico, mas os números estavam ali. Se fosse feito um diagnóstico, uma análise mais crítica, talvez não fosse necessária uma pandemia para se chegar a essa conclusão.

Sai-se do achismo e entra-se no mundo real comprovável, que não é tão retórico, é uma coisa mais propositiva, pragmática, comprometida com a qualidade de vida das pessoas.


As bases de dados da Datapedia passaram por uma expansão recentemente, incluindo dados eleitorais. Como foi essa evolução?

Nós passamos a ser mais do que uma plataforma generalista, só com dados socioeconômicos. Fizemos um teste crítico para avaliar o quanto a gente estava resolvendo de dor para personas do nosso interesse. Também no meio do caminho eu fiz um trabalho de chefe de gabinete para a Janaína Lima, vereadora em SP pelo Novo. Com ela, a primeira coisa que eu precisava fazer era identificar onde estavam os votos que ela recebeu nas últimas eleições, e não havia clareza para entender onde estava a base de votos, e consequentemente ratear as demandas das localidades de que ela era representante. Essa foi uma experiência que marcou muito e influenciou a maneira como a Datapedia poderia atuar.

Outra experiencia nas investigações foi que fizemos um processo de descobrimento de mercado e demanda, envolvendo quase 50 políticos, entendendo que eles não tinham pragmatismo para definir metas de votos, aliados, comparações de perfis ideológicos, pra fazer cruzamento de informações socioeconômicas versus informações político-eleitorais.

Nesse processo de descoberta da dor que eu tive no gabinete e das dores que esses usuários testes passaram pra gente, vimos quais eram as principais perguntas que precisávamos responder, e a partir dessas perguntas, buscar o que havia de disponibilidade de dados.

Feito esse mapeamento, iniciamos uma linha de pesquisa com a Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba. Com eles, fizemos algo que as empresas deveriam fazer mais: P&D com universidades. Com ajuda dessas pessoas, gradativamente, fomos desenvolvendo a nossa patente, com propriedade intelectual, e fizemos esse georreferenciamento extremo de votos nos locais de votação e resultados de urna de 2012 a 2018.



Quais os próximos passos da Datapedia?

Realizamos um trabalho do qual nos orgulhamos muito trabalho com a Fundação Maria Cecília sobre a primeira infância. Este projeto abre uma porta pra gente trabalhar curadoria de bandeiras, como educação, com outro parceiro de renome, de peso, que estude bastante os temas e a gente consiga promover um passo a passo de melhoria da gestão com essa curadoria. Dá pra fazer isso pra saúde, infraestrutura, uma série de bandeiras.

A plataforma de eleição transmuta para uma plataforma de gestão municipal.

E tem um leque amplo pra gente modificar algumas coisas de eleições municipais para eleições estaduais e nacionais.

Além disso, o que aparecer de outros projetos e oportunidade, a gente avalia.

A pandemia forçou uma digitalização forte para a economia, e a gente tem uma capacidade boa para pautar a digitalização de demandas de serviços públicos, concessões, empresas até, consultorias interessadas. O sonho da Datapedia é a gente conseguir 2 ou 3 projetos no portifólio dessas curadorias de bandeiras similares ao que fazemos com a Fundação Maria Cecília, e atuar fortemente com mandatos, atingindo uma população somada dentro dos municípios que chegue a 10 milhões de habitantes.


Entrevista publicada na Papo de Galo_ revista #9, páginas 23-27.


controladoria, FPM, município, política, política pública, papo de galo, revista, Gabriel Galo, Fernanda Galvão, Davi Carlos, Durval Lucas, Marcos Silveira, Juan Medeiros, Edmar Braga, Daniel Caribé, Rogério Barrios, entrevista, artigo, ensaio, análise, Galo Consultoria
Capa da edição #9 da Papo de Galo_ revista sobre o papel do município na política.

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