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O casal anti-Copa e o cair pra cima

Depois do revertério sofrido no último encontro, Jamile e Benício, o casal anti-Copa, foram muito cuidadosos. Montaram esquema para fugir das constantes perguntas de Maurício e Renata Patrícia sem eles perceberem que eles estavam sendo excluídos. Excluir pode, desde que não pareça. “Imagem é tudo, por isso nunca bebemos Sprite.” Costumam dizer eles.

Decidiram após o evento de cinco dias antes, quando o Brasil bateu a Costa Rica e o grupo teve a primeira baixa, que era necessário algo mais contundente. Para os que ficariam, montaram surpresas que, estavam certos, elevariam o espírito cívico-patriota e faria sumir “essa presepada que se chama Copa do Mundo”. Apresentavam orgulhosos a estrutura pensada em cada detalhe. Cada companheiro de luta que chegava ganhava um tour pela instalação.

Na sala, o Romero Brito mudou de lugar e deu vez a um belo retrato em preto e branco de Ricardo Amorim. Embaixo, num adesivo, lia-se, “se todo brasileiro fosse que nem Ricardo Amorim, o Brasil seria uma potência econômica.” Na sala, sobre a mesinha de centro, brochuras que listavam as emendas e decisões judiciais que aconteceram durante a Copa e ninguém ficou sabendo, chamado “Guia básico contra a alienação”. A principal atração, no entanto, era uma colorida piscina de bolinhas montada na varanda-gourmet do apartamento. Cada criança que chegaria, ganharia uma camiseta amarela e uma faixa para a testa escrito “Cai, Neymar!” Neste item, pode-se dizer que acertaram em cheio. As crianças se esbaldaram!

O ambiente era de contagiante clima fúnebre. Antes do apito inicial, Jamile e Benício, o casal anti-Copa, resolveram reforçar a única premissa do grupo: proibido torcer pelo Brasil!

Os gigantes sérvios eram exaltados. Seu sentimento patriótico, enaltecido. “Mas e as guerras?”, alguém perguntou, no que replicaram, peito estufado de estudo prévio para os questionamentos, “um mal menor  que os homens de bem devem estar preparados em nome da pátria!”

Mas aí o Philippe Coutinho resolve dar um arco no ponto futuro, encontrando Paulinho cortando a defesa sérvia pelas costas dos zagueiros. Ele deixa a bola quicar, e com a ponta dos pés, perna esticada ao máximo, toca por cima do goleiro. Gol do Brasil. Assim, meio de supetão, sem jogada que foi crescendo. Pá, pum, gol.

O grito de gol do narrador empolgou as crianças, que pularam na sala com a camiseta do Neymar. Alfredo Luís logo correu para acudir seu filho Pedrinho, que era Neymar desde criancinha e se esgoelava até cair. Levou-o para a varanda, de onde fez ouvir uma bronca reparadora, que o infante engoliu sem entender. “Agora fica quieto, cai um monte que nem o Neymar e nada de torcer pelo Brasil!” Voltou para a sala todo-todo, cheio de si, pai modelo, sendo recebido com um olhar apaixonado de sua esposa e uma bicota respeitosa para não chocar ninguém com cenas de desnecessárias demonstração de amor.

O intervalo veio com o Brasil na frente, Sérvia sem oferecer perigo. As crianças saltavam na piscina gritando “vai, Neymar!”, no que eram corrigidas instantaneamente, “é CAI, Neymar!” Não adiantava. Repetiam, corrigiam, repetiam, corrigiam, mais vez e outra. Essas crianças e seu teimoso destemor! Via-se a hora de alguém perder a paciência e a cabeça.

Os adultos, encostados no balcão da cozinha americana repleta de móveis planejados, abriam a geladeira para mostrar as cervejas artesanais que tinham levado, aquela weiss topzera, inclusive a safra especial de uma cervejaria da família do Herbert, “receita de meu tataravô alemão”, em papo que ninguém caía porque de alemão ele tinha apenas o nome, mas de sobrenome era Silva até a oitava geração.

Discutiam como o Brasil poderia perder praquela Sérvia. “Deixa o Willian. Não joga nada mesmo.” “Isso! E coloca o Renato Augusto ou o Taison, pra ter mais gente ruim jogando.” O papo virou uma ampla resenha, todos envolvidos e dando opiniões, uma mais abalizada que a outra, sobre como o Brasil poderia piorar. Jamile e Benício olhavam de longe, achando aquilo estranho. Por um momento comentaram entre si se aquele acalorado debate poderia ser confundindo com estarem discutindo com sinal trocado sobre o jogo do Brasil – se somos proibidos de torcer, criemos inconscientemente um jeito de circundar isso e falar mal para falar de. “Não, não é possível.” disseram eles.

“Vai começar o segundo tempo!” Sentaram-se ali dispostos. E a Sérvia foi pra cima. Atacava, chutava, “uh!!!”, reagiam, fãs. Sorriam, “agora vai!” Mas não foram. Porque num escanteio, Thiago Silva subiu mais que os tais gigantes balcãs, testando para dentro o dois a zero. As crianças saíram correndo dos brinquedos e pularam em polvorosa comemorando o gol, se abraçando. “Foi do Neymar?” perguntou o Pedrinho, que foi puxado pelo braço com uma desmedida brutalidade, “vambora.” Os outros pais sequer tinham força para repreender os seus.

O grupo estava #xatiado. Afinal, nem a oportunidade para soltar o seu bordão tiveram. Em plena quarta-feira em que alguns tiveram que deixar seus escritórios de empreendedores que são, não teve “JUIZ LADRÃO! SAÚDE E EDUCAÇÃO!” Lúgubres ficaram até que o árbitro encerrasse o martírio e estivesse consumada a classificação do Brasil aos mata-matas. Jamile e Benício não sabiam o que fazer. Comentários sobraram:

– Que tempo perdido! Uma tarde de trabalho jogada fora pra quê? Pra continuar essa patacoada!
– Exato! Pra ter mais jogo, mais alienação!
– Será que nosso esforço vai ser em vão?

Jamile e Benício se levantaram. Líderes habilitados que são, “completamos um curso maravilhoso de PNL e construímos um plano detalhado para superar nossas fraquezas com um coach super humano”, teriam de tomar a palavra.

– Gente! Nosso papel já deveria estar claro para todos. Somos educadores! Somos influenciadores! Se cada um de nós conseguirmos 5 pessoas, e essas 5 pessoas conseguirem mais 5, em breve todo o Brasil vai estar com a gente!
– Mas isso não é pirâmide?
– Uma pirâmide do bem! Avante!

A despedida foi discreta. O moral estava baixo. Tanto que afetou até mesmo Jamile e Benício. Sempre renitentes, tropeçavam na vontade.

– Calma, amor. Vai ficar tudo bem.
– Não sei. Temo pelo país.
– O que eu posso fazer para que você melhore?
– Ah… Não faço ideia.
– Que tal aquele textão que só você sabe fazer e que eu adoro?
– Você sabe mesmo como me animar, né?

Levantaram rumo às telas de seus celulares e computadores, prontos para colocar um carro pipa de água fria na celebração de tantos.  O Brasil caiu pra cima, mas eles, mártires, não falhariam em impedir que efetivamente caísse para baixo e subisse pelo seu chamado de despertar.

Crônica publicada no HuffPost Brasil. Link AQUI.

Episódio 1: Jamile e Benício, o casal anti-Copa

Episódio 2: O casal anti-Copa abalado

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