Lendo agora
O que é um hospital de campanha

O que é um hospital de campanha

hospital de campanha, hospitais de campanha, Gabriel Galo, Papo de Galo

Por definição, um hospital de campanha é uma destacamento móvel de atendimento médico.

No primeiro capítulo de seu livro “Field Hospitals: A Comprehensive Guide to Preparation and Operation” (Hospitais de Campanha: um guia completo de preparação e operação”, em tradução livre), Eran Dolev escreve:

A ideia do hospital de campanha foi concebida de forma independente em vários exércitos, em diferentes épocas, como uma resposta às necessidades médicas das tropas que servem em áreas remotas. A princípio, seu objetivo era cuidar de soldados doentes. Então, paralelamente a vários desenvolvimentos na medicina, especialmente na cirurgia, sua missão cardinal se voltou para salvar vidas e prevenir amputações em feridos de batalhas. As principais virtudes do hospital de campo sempre foram sua mobilidade e a capacidade de sua equipe de ressuscitar e operar em baixas de batalhas, perto da linha de frente. Por outro lado, seus vícios inerentes são sua vulnerabilidade ao fogo inimigo e sua incapacidade de manter pacientes operados por períodos adequados de tempo. No entanto, o hospital de campanha é a pedra angular da cadeia de responsabilidade médica no campo de batalha. A história do hospital militar de campo é, em grande parte, a história da medicina militar, refletindo a simbiose entre tratamento cirúrgico e evacuação médica.”

Originalmente, hospitais de campanha são, portanto, frutos de corpos militares. Socorrer os feridos dos campos de batalha era fundamental para era reabilitar os soldados para voltarem ao combate o quanto antes─se isso fosse possível.

Em seus primórdios, conforme a tecnologia e transporte da época, eram acampamentos precários. O comboio médico seguia as linhas armadas, artilharia e infantaria, alguns quilômetros atrás, ocupando espaço montado de acordo com a evolução territorial.

Tropas montam hospital de campanha contra ataques alemães em Anzio, na Itália, em abril de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial.

Com o tempo, o modelo de hospitais de campanha se tornou valioso para outras situações. Um fator une todas ela: a tragédia.

Seja por eventos meramente naturais, como terremotos, tsunamis, furacões e doenças, ou seja por ações diretas do homem, como guerras, acidentes de grandes proporções ou até mesmo doenças sintetizadas, hospitais de campanha são recurso  de rápida implantação e rápido desmonte, feitos para suprir uma demanda pontual.


O fator tragédia é premissa fundamental para entender os horrores de um hospital de campanha. A Dra Emily Mayhew, autora de “Wounded: the Long Journey Home from the Great War” (Feridos: a longa jornada de volta pra casa depois da Grande Guerra”, em tradução livre), escreveu um artigo para a British Library intitulado “How would it fell to be a wounded soldier” (Como alguém se sentiria sendo um soldado ferido, em tradução livre), descrevendo cenários e sensações de um soldado ferido em 1916, durante a Primeira Grande Guerra:

Muitos soldados feridos no campo de batalha perderam a consciência ou ficaram desorientados pela explosão de uma bomba ou pelo impacto de balas e fragmentos de artilharia em seus corpos. Quando finalmente conseguiram se concentrar, a primeira coisa que eles queriam saber era onde estavam e há quanto tempo estavam inconscientes.

Nos minutos ou horas antes da ajuda médica chegar até eles, soldados feridos tentariam descobrir onde estavam seus ferimentos e quão sérios eles poderiam ser. Ao se moverem, sentiriam a dor total de sua lesão – às vezes, uma dor tão avassaladora que perderiam a consciência novamente. Esse movimento dentro e fora da consciência geralmente durava horas.

A ajuda vinha na forma de maqueiros. (Hoje nós os chamamos de paramédicos ou combatemos técnicos médicos.) O trabalho deles era encontrar os soldados feridos – às vezes ouvindo seus gritos – e levá-los em segurança. Os maqueiros tinham que ser fortes, muito habilidosos em primeiros socorros e muito corajosos. Eles entravam no campo de batalha sob fogo pesado, sem armas, e tinham que se concentrar nos feridos, em vez de se manterem seguros. Para muitos soldados, a visão do resgate era carregada de emoções e eles gritavam novamente.

No hospital de campanha, as vítimas receberiam tratamento e cirurgia para seus ferimentos. Em suas vidas civis, a maioria dos cirurgiões não fez tantas amputações em um ano quanto em um único dia em um hospital militar de campanha. Após a amputação, assim como no momento em que foram feridos, os soldados – agora pacientes – despertariam e mais uma vez tentariam descobrir o que estava acontecendo ao seu redor. Para alguns, isso significava olhar-se em uma cama de hospital e perceber que perderam membros, ou talvez que tinham perdido a visão.

Qualquer que fosse a natureza de seus ferimentos, a primeira pessoa que um soldado conheceria nesse momento traumático seria uma das enfermeiras que trabalhava no hospital de campanha. O trabalho da enfermeira era esperar que o paciente recuperasse a consciência após a cirurgia e depois explicar muito gentilmente o que havia acontecido com ele. Mais uma vez o soldado pode gritar de medo e dor. A medicação para a dor poderia ajudar os sintomas físicos, mas fazia parte do trabalho da enfermeira tentar aliviar o sofrimento psicológico de seu paciente.

As enfermeiras levavam essa responsabilidade a sério. Eles tentavam pensar em maneiras de ajudar seus pacientes a aceitar suas novas vidas. Uma dessas maneiras era ajudar os pacientes a manter suas famílias informadas. Os enfermeiros costumavam escrever cartas aos pais e outros parentes de seus pacientes explicando o que havia acontecido.

As habilidades de enfermeiras, maqueiros e cirurgiões perto dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial foram cruciais para salvar a vida de milhões de soldados feridos. Mas não eram apenas as habilidades técnicas médicas que importavam. Era também a capacidade deles de entender como eram os primeiros momentos depois de acordar para uma pessoa cuja vida nunca mais seria a mesma. Não importa quando ou onde, esses momentos são os mesmos para todos os seres humanos feridos. As vozes daqueles que sofreram e dos que trataram o sofrimento são tão importantes agora como eram há um século. Ouvi-los nos ajuda a entender o terror e o desespero daqueles que estão feridos hoje.

enfermeiras, WWII, Segunda Guerra Mundial, hospital de campanha, hospitais de campanha, exército. EUA,
Enfermeiras no 51° Hospital de Campanha do exército americano na WWII.
enfermeiras, WWII, Segunda Guerra Mundial, hospital de campanha, hospitais de campanha, exército. França,
Enfermeiras voltam para a França depois de 3 anos de serviço durante a WWII. 12 de agosto de 1944.

Embora os hospitais de campanha tenham evoluído significativamente desde então, a perspectiva do horror com a tragédia não se altera. Em reportagem do Jornal da Band, Claudio Aparecido, paciente do hospital de campanha do Pacaembu, resume o que se passa na cabeça de alguém ao se ver dando entrada numa instalação feita para a emergência:

Sentimento de que você vai morrer. Você acha que vai morrer. A única sensação nas primeiras horas é a de que você vai morrer.”

Imediatamente depois, completa que pode também ser um sinal de esperança:

Aqui tem mais estrutura, né? Porque lá no Taipas, onde eu estava, não tem a estrutura que tem aqui.

A partir dos relatos mencionados, pode-se entender que:

  • Hospitais de campanha são recursos necessários na tragédia. Ou seja, sua existência é sinônimo de problemas graves.
  • Ver-se ferido ou doente com efeito direto pela tragédia, gera um primeiro sentimento de compreensão da extensão do problema.
  • Ser encaminhado para um hospital de campanha gera o entendimento de estar sendo enviado à morte.
  • A evolução do tratamento e a comparação com o local de origem podem mudar a percepção dos pacientes. Casos de sucesso aumentam o moral de todos, mesmo diante da tragédia.
  • Ter alta de um hospital de campanha é como se o paciente estivesse assinando o atestado de sobrevivência maior. Quem passou por um hospital de campanha, viu de perto o auge da tragédia.
  • O aspecto humano e de respeito ao paciente e à tragédia em si é fundamental para a recuperação não somente dos pacientes, mas do local onde ele está inserido.
  • Elementos de distanciamento dos pacientes com relação à tragédia é fundamental para minimizar seus efeitos, como se estivesse passando a mensagem de que “a vida continua”. Pode acontecer de diversas formas, com música, jogos, animais domésticos e contato com parentes.
Soldados americanos tocam violão em acampamento durante a guerra do Vietnã.

Esta é a parte 1 de 8 de matéria publicada com exclusividade na Papo de Galo_ revista #5. (Páginas 9-13)

_ HOSPITAIS DE CAMPANHA

hospital de campanha, hospitais de campanha, Gabriel Galo, Papo de Galo

hospitais de campanha, hospital de campanha, Papo de Galo, Papo de Galo_ revista, capa, Gabriel Galo,
Capa da edição #5 da Papo de Galo_ revista sobre hospitais de campanha em estádios esportivos.

Assine nossa newsletter!

Conteúdo exclusivo e 100% autoral, direto no seu email.


Antes de você sair…. Tudo o que você lê, ouve e assiste aqui no Papo de Galo é essencialmente grátis. Inclusive o que escreve em outros lugares vêm pra cá, sem paywall. Mas vem muito mais pela frente! Os planos para criar cada vez mais conteúdo exclusivo e 100% autoral são muitos: a Papo de Galo_ revista é só o primeiro passo. Vem por aí podcasts, vídeos, séries… não há limites para o que pode ser feito! Mas para isso eu preciso muito de sua ajuda.

Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a nossa newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade. Ah! E meus livros estão na Amazon, esperando seu Kindle pra ser baixado.

Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.


Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.