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O São João e o Nordeste

O São João e o Nordeste

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Nunca será suficiente explicar a quem não é do Nordeste qual a importância do São João. Dentre as tantas razões para não ser possível explicar está justamente a metafísica da festa, a cosmologia envolvida, a representatividade. É muito mais do que coisa terrena e vai além, inclusive, da coisa divina. É maior, é universal, é simbólica.

É o que é, ora, essa, e não tente despedaçar o espetaculoso em nome de conceitos tão mundanos quanto explicações e convencimentos. Apois: se você carece de convencimento para entender do que se trata, esqueça, porque não há tempo no mundo que caiba os porquês de um São João.

Nem todo o tempo do mundo consegue abarcar a experiência de uma vida não vivida.

A magia do São João não está nas capitais. O sobrenatural do festejo junino se encontra na simplicidade das pessoas do sertão. Suas vidas são narradas com prazer, suas vestimentas são algo estereotipadas por quem invade vindo do centro do estado. Ali, no entanto, sobrevive a alma do sertanejo.

Mas, teimoso, rio na cara do impossível, sem medo do fracasso inevitável.

Arriscando um efeito comparativo: o São João está para o Nordeste assim como o Natal está à vida na cidade grande. Aquela expectativa, aquela antecipação, sabe?

Só que aí, veja, este ideal importado de Natal tem efeito meramente econômico. Quem há de dizer que o Natal representa algo genuinamente brasileiro? Neve no verão? Ora, ora, conta outra, Coca-Cola. Mas, vá lá, a data tem significado amplo e potente. Mas, não, nem trisca nas significâncias severinas.

Outro ponto, então: o São João está para o Nordeste do interior assim como o Carnaval está para Salvador e Recife + Olinda.

Hum…

Estamos chegando perto. Porque o Carnaval acaba representando o sentimento de um povo, para além da festa financeira que enriquece os de sempre e joga o povo para a pipoca do desbaratino e da violência.

Mas tem um nhé que corrói o compreender. Talvez os Carnavais das duas capitais se equivalham ao São João de Caruaru e Campina Grande. Ainda falta, portanto, captar a alma do festejo do interior, aquele que mantém na simplicidade uma mensagem de resistência.

Sim, resistência. De música, de vocabulário, de vestuário, de religiosidade, de símbolos e ritos, de conexão com o elevado. Que faz de uma celebração que difere da tradição que se vê no aglomerado da capital sua marca.

O São João caminha lado a lado com festas de largo típicas dos rincões nordestinos, como a procissão de reis e o boi, que, a depender do local, pode coincidir com a folia dos 3 magos.

Está nessa permanência a conceitos que não dobram a forças maiores a maior virtude de uma gente que faz da sobrevivência um ato sublime de bravura. Esquecidos, distantes, invisíveis, o povo do sertão sacoleja ao som do fole da sanfona em ritmo, estética, banquete, significações e símbolos próprios.

Some tudo.

Tem jeito de explicar? Tem não.

Retrocedo.

A ânsia da explicativa que nasceu para a derrota se julgou capaz de sobrepor a verdade inquestionável dos fatos. Tolo, eu. Porque a letra estava dada ali no começo:

Se você carece de convencimento para entender do que se trata, esqueça, porque não há tempo no mundo que caiba os porquês de um São João.

Só é possível raspar em sua grandiosidade, comprovada apenas empiricamente, na vivência de quem se entrega aos encantos do sertão nordestino, mesmo que pasteurizado aos modos da cidade grande.


Fotos: Marcos Guerreiro


Entrevista publicada com exclusividade na Papo de Galo_ revista #4.

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Capa da Papo de Galo_ revista #4

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